A questão da fumaça de cigarro proveniente de apartamentos em condomínios é um tema delicado e recorrente, que coloca em lados opostos o direito do morador de usufruir de sua propriedade e o direito dos vizinhos à saúde e ao sossego. Afinal, o síndico tem o poder de intervir nesses conflitos? Quais as atitudes cabíveis diante de reclamações formais?
Este artigo se propõe a analisar, sob a perspectiva jurídica e prática, as medidas que o síndico e o condomínio podem legitimamente adotar em face de queixas relacionadas à fumaça de cigarro originada em unidades residenciais, especialmente quando esta se propaga por varandas e janelas.
A fundamentação legal para a atuação do síndico em casos de fumaça de cigarro reside, principalmente, no Código Civil Lei nº 10.406/2002. O Art. 1.336, IV, estabelece claramente o dever do condômino de “não utilizar sua parte exclusiva de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais possuidores, ou aos bons costumes”.
Ademais, o Art. 1.337 do mesmo código prevê a aplicação de sanções, como multas, ao condômino que descumprir seus deveres de forma reiterada. A Lei nº 9.294/96, embora imponha restrições ao fumo em espaços coletivos, não se aplica diretamente ao interior das unidades privadas.
A Constituição Federal, em seu Art. 5º, XXII, assegura o direito de propriedade, mas este não é absoluto. Deve ser exercido em consonância com sua função social e em respeito ao direito de vizinhança, conforme detalhado nos artigos 1.277 a 1.313 do Código Civil, que tratam dos incômodos gerados por propriedades vizinhas.
A fumaça de cigarro originada no interior de um apartamento configura uma questão complexa, pois envolve, de um lado, o direito do condômino de fumar dentro de seu espaço privativo e, de outro, o direito dos demais moradores a um ambiente saudável e tranquilo.
É inegável o direito do condômino de utilizar sua unidade, contudo, essa liberdade encontra limites no momento em que sua conduta causa prejuízos ou incômodos aos vizinhos.
A fumaça de cigarro pode gerar diversos transtornos, afetando principalmente grupos mais vulneráveis como crianças, idosos e pessoas com problemas respiratórios, manifestando-se através de:
Diante de reclamações formalizadas por moradores incomodados com a fumaça, o síndico e o condomínio têm o dever de agir. A primeira medida a ser tomada é a notificação formal do condômino fumante. Esta notificação deve identificar claramente a unidade responsável pelo incômodo e garantir ao morador o direito ao contraditório e à ampla defesa, registrando oficialmente a reclamação.
É crucial ressaltar que o condomínio, por si só, não pode aplicar multas ou advertências unicamente pela prática de fumar dentro da unidade. Para que uma sanção seja justificável, o vizinho reclamante deve apresentar evidências concretas da perturbação ao sossego e/ou prejuízo à saúde causada pela fumaça.
Essas evidências podem incluir registros de reclamações anteriores, laudos médicos que atestem o agravamento de condições de saúde preexistentes, fotos, vídeos ou outros meios de prova que demonstrem o nexo causal entre a fumaça e o dano sofrido.
Munido dessas evidências, o condomínio estará apto a advertir formalmente o condômino infrator e, em caso de reincidência comprovada, aplicar a multa prevista no regulamento interno, sempre observando os procedimentos estabelecidos.
A jurisprudência brasileira tem adotado essa abordagem, buscando equilibrar os direitos individuais e coletivos em condomínios, como demonstra a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) citada no texto abaixo, que considerou legítima a aplicação de multas por consumo de cigarro em sacada de unidade autônoma diante da comprovada violação ao sossego e à salubridade dos demais condôminos.
CONDOMÍNIO. AÇÃO ANULATÓRIA. MULTAS E ADVERTÊNCIAS APLICADAS POR CONSUMO DE CIGARRO EM SACADA DE UNIDADE AUTÔNOMA. LEGITIMIDADE DA SANÇÃO . VIOLAÇÃO AO SOSSEGO E À SALUBRIDADE DOS DEMAIS CONDÔMINOS. DEVER DE OBSERVÂNCIA À CONVENÇÃO E ÀS NORMAS DE BOA VIZINHANÇA. ATUAÇÃO DO SÍNDICO NA PRESERVAÇÃO DOS INTERESSES COLETIVOS. AUSÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL . ELEVAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. RECURSO IMPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO.
1. O direito de uso da unidade autônoma pelo condômino não é absoluto, devendo ser exercido em conformidade com as regras condominiais e os princípios de boa convivência . Nos termos do artigo 1.336, IV, do Código Civil, é dever do condômino abster-se de utilizar sua unidade de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais moradores.
2. A reiteração da conduta de fumar na sacada do apartamento, gerando incômodo comprovado aos demais condôminos, justifica a imposição de sanções pecuniárias, sendo legítima a aplicação das multas e advertências quando precedidas de notificações e reclamações formais .
3. A atuação do síndico na defesa dos interesses da coletividade condominial e no cumprimento das normas internas não configura ato ilícito passível de reparação moral, especialmente quando ausente comprovação de conduta abusiva ou lesiva à honra dos condôminos.
4. Não há nos autos elementos que evidenciem constrangimento ou abalo psíquico significativo, apto a configurar dano moral indenizável, sendo insuficiente a mera insatisfação com a postura administrativa do síndico .
5. Em atenção ao artigo 85, § 11, do CPC, e diante do desprovimento do recurso, impõe-se a majoração dos honorários sucumbenciais para 15% sobre o valor atualizado da causa, observada a inexigibilidade decorrente da gratuidade judicial.
TJ-SP – Apelação Cível: 10208368920238260577 São José dos Campos, Relator.: Antonio Rigolin, Data de Julgamento: 17/02/2025, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/02/2025
Para evitar potenciais conflitos, o condômino fumante pode adotar medidas preventivas simples, como:
Leia também – Lei Antifumo: O Que a Legislação Diz Sobre o Cigarro no Condomínio?
A questão da fumaça de cigarro em condomínios demanda uma análise cuidadosa e um equilíbrio entre o direito de propriedade e os direitos à saúde e ao sossego. O síndico desempenha um papel fundamental na orientação dos condôminos sobre os malefícios do cigarro e a importância do respeito ao direito de vizinhança.
Em situações de conflito, a mediação e a negociação devem ser priorizadas como formas de resolução, buscando um acordo que atenda aos interesses de todas as partes envolvidas. Caso a mediação não seja bem-sucedida e haja evidências concretas da perturbação, o síndico deverá tomar as medidas administrativas e judiciais cabíveis para proteger os direitos da coletividade condominial, sempre com base na legislação e no regulamento interno.
É essencial que a atuação do síndico seja pautada pela legalidade, pelo respeito ao devido processo legal e pela busca de soluções que promovam a paz e o bem-estar de todos os moradores do condomínio.
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